Tudo parece programado de antemão
e lentamente perdemos a capacidade
de nos deixarmos surpreender, de aceitar que o insólito é possível.

Luís Sepúlveda, Encontro de Amor Num País Em Guerra

sábado, 7 de julho de 2007

Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte.
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

(ou talvez sim...)
Até agora eu não me conhecia.
Julgave que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.

Mas que eu não era Eu não o sabia
E, mesmo que o soubesse, não o dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim... e não me via!

Andava a procurar-me - pobre louca! -
E achei o meu olhar no teu olhar
E a minha boca sobre a tua boca!

E esta ânsia de viver, que nada acalma,
É a minha chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!

Florbela Espanca
(Eu - Livro de Mágoas
Eu - Charneca em Flor)

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